segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Viagem ao Centro de Mim


Saí de casa aos 19 anos pra tentar a vida na capital. Nada foi fácil nem tudo tão difícil e depois de seis anos me vejo aqui fazendo uma viagem ao centro de mim.
Tive exatos vinte e quatro dias para tornar isso possível.
Resolvi começar aos poucos, fazer cada coisa por vez, por dia...
Algumas coisas que fiz durante 19 anos já havia até esquecido.


Nesse dia acordei cedo, antes mesmo do horário que acordo para trabalhar. Chovia... Entrei no carro e cada quilômetro percorrido girava o filme que passava em minha mente. Quando cheguei lá, respirei fundo antes mesmo de olhar. Achei que nunca mais voltaria ali. Comecei subir a ladeira e cada canto, cada árvore, cada animal me lembrava ele. Poucas vezes em minha vida tive aquela sensação. Quando entrei em casa, lembrei de minha infância, da rede no meio da sala, do balanço embaixo do pé de manga espada, de quando pescava no açude e do grito de minha mãe toda vez que pegava um cágado. Lembrei de todas as vezes que desci a ladeira para molhar as plantas que hoje servem de sombra para quem passa lá com o sol a pino. Por um segundo queria não lembrar! Aquele turbilhão de coisas que estavam a passar na minha mente começava a me perturbar. Respirei fundo e comecei a andar... Fui em cada extremidade do terreno. Quando de repente olhei para último lugar onde ele esteve com vida. Acho que nunca vou me conformar por não ter tido a oportunidade de dizer adeus! Tudo aquilo era o seu sonho, seu suor, sua luta diária. Pai, sempre te encontrarei naquele lugar! 
Depois de alguns minutos tornei a caminhar, o orvalho no pasto molhava meus pés. Há quanto tempo não sentia aquele tão simples sabor. Mais algumas lembranças vieram à tona. Voltei para casa, mas já não era mais a mesma.
Peguei a vassoura e comecei a varrer o chão, espalhei a angustia que me veio e o vento me trouxe mais algumas lembranças. Fui até o carro de boi. lembrei das vezes que acordava as cinco da manhã pra o acompanhar de bicicleta e quando já era dez, voltávamos com elas sendo trazidas pela dupla de bois.
Fui até o curral. Olhei para o horizonte e senti o cheiro que só se sente nesses lugares. Pude contemplar até o que não é belo. Senti o vento no rosto a velocidade de 80 quilômetros por hora, vendo árvores passando, animais se aproximando e passarinhos voando.
Durante esses dias, pude ver de perto o milagre da vida. Um ser tão pequeno, tão inocente, tão dependente e tão amado por todos. Saúde é o que peço pra ti em minhas orações, minha pequena princesa.
Pensei em procurar os amigos de infância, até perguntei por alguns, aqueles que já não tinha notícias há anos, mas  como eu, cada uma seguiu seu caminho. Uns casaram, outros separaram, uns moram em São Paulo, outros em Natal... E assim, dia após dia, seguem suas vidas. Talvez lembrem de mim vez ou outra e talvez... Nem  lembrem...   

Um dos outros dias fui mais além, busquei algo que há cerca de doze anos meus olhos não viam. O lugar onde quem me trouxe ao mundo nasceu, é simples, mas de uma singela pureza que me inebria. Sempre que vou lá, vejo minha avó grávida de oito meses limpando o roçado, minha mãe cuidando dos outros irmãos e tantas outras histórias que ouvi contarem durante minha infância. O rio onde brincava ainda está lá, tão belo quanto era há doze anos atrás, mas impuro para se quer dar um mergulho. Lamentável nós, seres humanos, nos descuidarmos da natureza dessa forma.
As tardes na calçada, vendo a vida passar devagar. o "boa tarde" de quem passa e o "boa" de quem fica. Coisas simples de interior que eu até cheguei a achar que a saudade disso não ia me pegar, mas de fato pegou e não precisei de mais do que isso para lembrar que foi disso que vim e é isso que sou. O menino no pé da árvore, a vaca no campo a pastar, a lua no alto a espiar, o meu canto singelo a chorar. Chorar as saudades da vida, chorar as saudades das coisas perdidas.
Eu sou assim mesmo, falo DÍA, TÍA, ITÍNGA, digo AGENTE quando me refiro a nós, VISSE quando quero dizer entendi e não ligo quando riem de mim.
         Continuo sendo aquela menina de interior, que passava as férias da infância no sítio da tia Zezinha, que adorava andar a cavalo e brincar de esconde-esconde na plantação de batata, que furava os dedos costurando as roupas das bonecas e adorava gatos. Aquela menina que quando tinha pesadelos corria pra cama da mãe e passava quase uma semana sem conseguir dormir sozinha, que era mandona e batia no menino da escola todos os dias na 1ª série só porque ele me colocava apelidos.
        Mudei de cidade mas não de personalidade. Não abandonei nem jamais abandonarei as coisas que me fizeram chegar até aqui.
          Sempre achei que aqui era meu lugar, mas não!
          Entrei na cidade grande, faço parte dela, mas acho que ela nunca fará parte de mim.

Palmeirina - PE

                                                           Rita Brito
25/12/2012

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