Saí
de casa aos 19 anos pra tentar a vida na capital. Nada foi fácil nem tudo tão
difícil e depois de seis anos me vejo aqui fazendo uma viagem ao centro de mim.
Tive
exatos vinte e quatro dias para tornar isso possível.
Resolvi
começar aos poucos, fazer cada coisa por vez, por dia...
Algumas
coisas que fiz durante 19 anos já havia até esquecido.
Nesse
dia acordei cedo, antes mesmo do horário que acordo para trabalhar. Chovia...
Entrei no carro e cada quilômetro percorrido girava o filme que passava em
minha mente. Quando cheguei lá, respirei fundo antes mesmo de olhar. Achei que
nunca mais voltaria ali. Comecei subir a ladeira e cada canto, cada árvore,
cada animal me lembrava ele. Poucas vezes em minha vida tive aquela sensação. Quando
entrei em casa, lembrei de minha infância, da rede no meio da sala, do balanço
embaixo do pé de manga espada, de quando pescava no açude e do grito de minha
mãe toda vez que pegava um cágado. Lembrei de todas as vezes que desci a
ladeira para molhar as plantas que hoje servem de sombra para quem passa lá com
o sol a pino. Por um segundo queria não lembrar! Aquele turbilhão de coisas que
estavam a passar na minha mente começava a me perturbar. Respirei fundo e
comecei a andar... Fui em cada extremidade do terreno. Quando de repente olhei
para último lugar onde ele esteve com vida. Acho que nunca vou me conformar por
não ter tido a oportunidade de dizer adeus! Tudo aquilo era o seu sonho, seu
suor, sua luta diária. Pai, sempre te encontrarei naquele lugar!
Depois
de alguns minutos tornei a caminhar, o orvalho no pasto molhava meus pés. Há
quanto tempo não sentia aquele tão simples sabor. Mais algumas lembranças
vieram à tona. Voltei para casa, mas já não era mais a mesma.
Peguei
a vassoura e comecei a varrer o chão, espalhei a angustia que me veio e o vento
me trouxe mais algumas lembranças. Fui até o carro de boi. lembrei das vezes
que acordava as cinco da manhã pra o acompanhar de bicicleta e quando já era
dez, voltávamos com elas sendo trazidas pela dupla de bois.
Fui
até o curral. Olhei para o horizonte e senti o cheiro que só se sente nesses
lugares. Pude contemplar até o que não é belo. Senti o vento no rosto a
velocidade de 80 quilômetros por hora, vendo árvores passando, animais se
aproximando e passarinhos voando.
Durante
esses dias, pude ver de perto o milagre da vida. Um ser tão pequeno, tão
inocente, tão dependente e tão amado por todos. Saúde é o que peço pra ti em
minhas orações, minha pequena princesa.
Pensei
em procurar os amigos de infância, até perguntei por alguns, aqueles que já não
tinha notícias há anos, mas como eu,
cada uma seguiu seu caminho. Uns casaram, outros separaram, uns moram em São
Paulo, outros em Natal... E assim, dia após dia, seguem suas vidas. Talvez
lembrem de mim vez ou outra e talvez... Nem
lembrem...
As
tardes na calçada, vendo a vida passar devagar. o "boa tarde" de quem
passa e o "boa" de quem fica. Coisas simples de interior que eu até
cheguei a achar que a saudade disso não ia me pegar, mas de fato pegou e não
precisei de mais do que isso para lembrar que foi disso que vim e é isso que
sou. O menino no pé da árvore, a vaca no campo a pastar, a lua no alto a
espiar, o meu canto singelo a chorar. Chorar as saudades da vida, chorar as
saudades das coisas perdidas.
Eu
sou assim mesmo, falo DÍA, TÍA, ITÍNGA, digo AGENTE quando me refiro a nós, VISSE
quando quero dizer entendi e não ligo quando riem de mim.
Continuo sendo aquela menina de
interior, que passava as férias da infância no sítio da tia Zezinha, que
adorava andar a cavalo e brincar de esconde-esconde na plantação de batata, que
furava os dedos costurando as roupas das bonecas e adorava gatos. Aquela menina
que quando tinha pesadelos corria pra cama da mãe e passava quase uma semana
sem conseguir dormir sozinha, que era mandona e batia no menino da escola todos
os dias na 1ª série só porque ele me colocava apelidos.
Mudei de cidade mas não de
personalidade. Não abandonei nem jamais abandonarei as coisas que me fizeram
chegar até aqui.
Sempre achei que aqui era meu lugar,
mas não!
Entrei na cidade grande, faço parte
dela, mas acho que ela nunca fará parte de mim.
Rita
Brito
25/12/2012